quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Delírio Montevideano


Montevideo é um vício, um delírio, um sonho que se sonha acordado, um murmúrio, um vento que arrepia. É uma realidade viva, cortada em carne, em pessoas, em esquinas transeuntes, em barulhos de latas, em cores amareladas. É o cru e o cozido, o vacío e o cheio. Uma dor de amor, um canto soprado, um rio de chocolate com ondas transbordantes de paixão e frio. Um toque quente e febril de vinhos congelados, de árvores sem flor, de ver sem enxergar, um poema sem fim na cor púrpura da tarde em braços de Agosto.

Poema para Aldyr


Ele atravessa as ruas ladrilhando casas
e desaparece na multidão, fugidio e rasteiro
Num súbito movimento de braços Aldyr sai flutuando entre os balões coloridos
das crianças que o esperam na praça do desembarque
Lá vai, la vai o Aldyr com seus cabelos de prata tingidos por personagens, por dramas
Lá vão seus Frutos e suas Verdades, suas mil Verdades, como se fossem mentiras
Em uma pirueta, Aldyr atravessa o charco e cai em um emaranhado rio branco
Lá vai ele ainda menino, grudado na barra da saia de sua mãe
Lá vai o idealista, o sonhador, aquele que transforma o gesto em palavra
Lá vai o conterrâneo de carne, osso e desilusão
Descendo a rua do cais, vai Aldyr, em uma nuvem de Santa Rosa
Que passa assoviando aquela velha canção de Gardel que tanto cantava Cisa (como se fosse Narcisa).
Lá vai Aldyr de mãos dadas com Marlene mirar o entardecer de uma terra que não tem dono, por ser uma só.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Poeminha de Chuva

Poeminha sacado da manga, poeminha de chuva...
Poeminha enjoadinho, poeminha de chuva...
Poeminha bobinho, sem sal e sem açúcar, poeminha de chuva
Poeminha tonto, poeminha tosco, poeminha de chuva
Poeminha de ser sozinha, poeminha de estar em multidões, poeminha de chuva
Poeminha que não acaba, poeminha desajeitado, é um poeminha de chuva!

La Risa del Missionário


Por volta de 1890, admirando da sacada da igreja central, el missionário sentiu que la risa não lhe saía da cara.
Chamava-se Pedro e na maioria das vezes estava enjoado pelo o cheiro dos peixes que vinha do porto. Era gordo e não muito baixo, como possam pensar os leitores, tinha feições de franciscanos, com a careca lustrosa e as bochechas rosadas.
Andava, todos sabiam, enrabichado com uma negra que vivia lá, passando a Ponte Preta, e que lhe causara tantos amores, como desgostos, pois Deolina era linda, como uma flor de Onze Hora. E o que falar da boca de Deolina, dos olhos de Deolina e do andar de Deolina. Mas o que mais causava risa en el missionário – risa e amor por certo – eram as flores feitas do próprio cabelo de Deolina.
Deolina fazia o que queria com el missionário, e este se sentia prisioneiro dos seus caprichos. Nas noites das festas dos negros, el missionário Pedro, sentia que seu corpo todo amolecia e logo era “montado” por algum orixá que estivesse de plantão.
No dia destinado às comemorações pela visita do papa, Deolina se apossou del missionário, causando-lhe tanta risa que o pobre, imóvel diante da graça que achava das flores do cabelo de Deolina, ficou mirando da sacada da igreja o cortejo alvoroçado da multidão empobrecida que seguia o santo padre, sem ao menos enxergar um fio de cabelo daquele homem.
Ao missionário, nada de novo ocorreu exceto sua risa ao exagero, tão ao exagero que só desapareceu dois anos depois, quando Deolina, cansada de tanto deboche do pobre padre, resolveu cortar seus lindo cabelos.
E la risa del missionário se fue, e el pelo de Deolina se quedou, mas toda vez que mirava el pelo de Deolina guardado em seu baú de recuerdos, el missionário se atacava das risas e a história começava novamente.

Baseado em um conto do livro O dia em que o papa foi a Melo de Aldyr Garcia Schlee e nas cartas do Cônego Thomas de Aquinas que viveu em Jaguarão na primeira metade do séc. XX.

domingo, 6 de novembro de 2011

Na Rua do Amor


De tanto sentimentar, sentimentando
Pensei que não estivera em sonho caminhando, e caminhando sem pés
no ardor dos corsos de inverno, levado ladeira abaixo pela Rua do Amor.
E o singelo chorar das carpideiras que saíam da Matriz
 atrás de defunto desconhecido
 fazia ressoar o calor dos corpos amantes que se beijavam na Rua do Amor.
E ao desabado assim, abruptamente, do patrimônio
sentiam-se extasiados de ruínas e sangue
ao chegar de sono constante, acariciando as mãos, na Rua do Amor.
E de quando, em quando, o sol tocava o telhado vazio
roçavam-se o nariz contra o outro, cheios de sensualidade e pele
e a Rua do Amor se enchia de transeuntes curiosos
invejosos que estavam
ao ver o seio da moça que vestia cor-de-rosa.
E no estrondo definitivo da nova ruína que se fazia
Naquela cidade de amores ladrados às escondidas
A moça rosava, ao ser supostamente calada
pela mão embriagada daquele que a carregava
pela Rua do Amor.